Autor: Jim Crace
Título original: Harvest
Sinopse: Encontramo-nos em Inglaterra, numa aldeia tranquila onde ainda se vive
ao ritmo das estações e dos trabalhos agrícolas sazonais. Num final de
verão, no entanto, o novo senhor das terras e os seus homens chegam e
confiscam os terrenos comunitários para iniciar a criação de ovelhas e a
produção de lã. A desconfiança, o medo, a revolta e a violência
instalam-se e, em apenas sete dias, assistimos à dissolução de uma
ordem social quase paradisíaca face ao nascimento da era industrial. Mas
qualquer coisa ainda mais inquietante se insinua no coração desta
história narrada pelo único homem que fica para a contar... Walter
Thirks. A prosa encantatória e poética de Jim Crace serve esta belíssima
narrativa na perfeição.
Todos os sistemas precisam de equilíbrio, quer seja um ecossistema, um sistema político, ou até um sistema informático...este livro é sobre esse equilíbrio... o equilíbrio necessário numa pequena aldeia onde uma decisão ou um evento podem mudar a vida de todos os que nela vivem.
A este necessário equilíbrio, que é a base do enredo, mistura-se a crítica/mensagem do enredo, que é a forma como a evolução tecnológica altera todo um sistema, restando apenas conseguirmos a adaptação e evoluirmos, ou ficarmos estagnados perante a velocidade a que a sociedade consegue passar de uma fase para outra.
É esta capacidade de estarmos preparados para a adaptação que neste livro é explorada. O autor, com uma escrita cuidada, expõe os preconceitos e mentalidades de quem vive em comunidade, mas que pouco vê para lá da mesma, porque não quer, ou porque não pode, ou porque nunca teve de o fazer. Para uma boa exposição o autor usa uma escrita muito interessante e em que cada linha pode existir um significado inesperado. Desta forma somos "convidados" a uma leitura mais lenta, mais atenta e acabei a tentar antever as decisões de cada pessoa. A tudo isto junta-se um final que me surpreendeu e que demonstra a grande qualidade do autor.
No início do livro, esta narrativa, bastante cuidada e bela, choca um pouco. O que temos à nossa frente é um narrador que não parece ter a capacidade ou o conhecimento necessários para escrever uma narrativa assim. Este foi o ponto que no início me deixou atento para possíveis razões, e mais tarde o livro foi-me convencendo. A nossa atenção acabará por se focar na própria aldeia, como se fosse uma personagem. As reações em cadeia ganham um ritmo que nos leva a quase não pensar e a tentar perceber todos os motivos, todos os ideais... e por vezes parece forçado, para depois fazer lógica. Base da nossa leitura está no facto de nós, tal como o próprio narrador, não estarmos preparados para todos os acontecimentos que vão aparecendo a cada página.
Jim Crace tem aqui um interessante conjunto de personagens, mas tem, principalmente, a inteligência de criar uma aldeia onde todos os anos as rotinas se repetem, e depois insere o choque industrial que aconteceu em grande parte do mundo. O que vemos aqui é ficção, mas é também a dura realidade de pequenos locais que não se conseguiram adaptar, quer seja por falta de conhecimentos, investimento ou porque não aceitaram essa própria evolução. Este livro é a imagem do que aconteceu em muitas aldeias que estão praticamente desertas.
Gostei da base, gostei das personagens e gostei bastante do final. Colheita não é um livro fácil, nem é daqueles livros que ficaremos a adorar, mas a sua qualidade está presente a cada página. A forma como o autor escreve é a de um homem que vai recordando o seu passado e pensando sobre o mesmo. Sente-se o desgosto, a esperança, a amargura de quem viveu num local que outros ajudaram a derrubar, e entramos naquela aldeia, sentimos a sua queda, ficamos tristes e indignados. É esta a arte do livro... transportar o leitor para outro local.
Totalmente aconselhado a todos os que apreciem este género e que olhem com interesse para a sinopse. Não ficarão desiludidos, de certeza.
Luís Pinto
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