Hoje apresento mais um "Espaço Leitor", com um texto da Margarida Contreiras, autora do blog "Pensamento a cores" que aconselho todos a visitarem!
Espero que gostem, e se quiserem submeter as vossas opiniões literárias, estejam à vontade!
Espero que gostem, e se quiserem submeter as vossas opiniões literárias, estejam à vontade!
Autor: António Lobo Antunes
Psyché é uma palavra de origem grega
que se traduz na linguagem atual para mente. É neste tronco terminológico que encontramos as ramificações para os termos psicologia, psiquiatria, psicose, psicanálise, psicoterapia, todos eles viventes nas páginas deste livro. Na
verdade, toda a história é contada com a objetiva presa à psyché de um médico, obrigando-nos a captar a realidade filtrada
pelo seu olhar. Por isso, este é um livro peculiar.
O
médico que protagoniza a história é um psiquiatra de um hospital lisboeta, cuja
mente carece ela mesma também de terapia. A ação nasce na fonte sensorial e
sentimental do protagonista e desenvolve-se à luz do sua experiência de vida e
da consequente visão denegrida que tem do mundo. Ao virar as primeiras páginas,
apercebemo-nos imediatamente que esta deturpação está profundamente ligada a
uma distanciação familiar que revela, simultaneamente, necessidade de
afastamento e aproximação. É por isso que as grandes sensações que fazem este
livro são a frustração, a cobardia e o conformismo.
O
narrador não corresponde à personagem principal por não encarnar assumidamente
a sua alma, no entanto a consciência dos dois está tão próxima que podemos
questionar se a narrativa se tratará de um autorretrato na terceira pessoa. Por
outro lado, as personagens secundárias são praticamente inexistentes, surgindo
apenas pontualmente e como voz da consciência alternativa ressonante na cabeça
do psiquiatra e atuando também elas como psiquiatras através dos seus juízos de
valor. Existem sim muitos figurantes que passam pela ação da história como meio
de ilustração corroborante do pensamento da personagem principal e que se
traduzem, na narrativa em si, como resultado de uma observação reprovadora. Normalmente,
estes figurantes agem com indiferença perante o protagonista, em movimentos
frios como os dele mesmo.
O
desenrolar da história é feito com marcada lentidão, concentrando-se no
decorrer de apenas dois dias, e o enfoque da ação é centrado mais na descrição
sensorial do que no desenvolver de acontecimentos. Esta descrição é
extremamente particular: o autor descreve-nos, não a realidade com as suas
cores e relevos, mas através das sensações que essas cores e relevos
(eventualmente existentes) provocam no protagonista da história. Por outras
palavras, o autor diz-nos o que aparenta ser em vez do que é, indicando-nos a
consistência dos acontecimentos num entrançado de emoções e pensamentos, todos
eles desembocando na distante memória da mulher e das filhas que nunca chegamos
a perceber se é longa ou curta no tempo. A visão do protagonista através da
qual assistimos à narrativa mostra uma perspetiva negra do mundo, em que é dada
especial referência aos distúrbios e anomalias do âmbito da sexualidade: jovens
mulheres seduzem homens velhos por interesse, prostituição, pedofilia, entre
outros, embora estes sejam assuntos abordados apenas para uma representação de
quimeras de um mundo simultaneamente real e abstrato e não porque sejam importantes
para a ação central.
Lobo
Antunes apresenta-nos uma escrita erudita e extremamente sensorial num livro que
se lê sobretudo para o desfrute da palavra e da descodificação de uma mente
turbulenta. Esta obra pode ser lida pelo leitor comum familiar com o mundo
literário, no entanto, as suas potencialidades disparam até aos campos mais
profundos da psicologia. O final será dificilmente conclusivo para um trivial
leitor, convidando a uma análise desta memória de elefante que deverá ser feita
de olhos semicerrados e mente aberta.
Nota: O "Espaço Leitor" é um pequeno espaço onde qualquer leitor pode deixar a sua opinião a um livro. Novamente, muito obrigado à Margarida Contreiras pelo seu fantástico texto.
Nota: O "Espaço Leitor" é um pequeno espaço onde qualquer leitor pode deixar a sua opinião a um livro. Novamente, muito obrigado à Margarida Contreiras pelo seu fantástico texto.
Parabéns à Margarida pelo texto de grande qualidade a um livro também muito bom. Já o li e gostei bastante. Também concordo com muito do que está aqui escrito.
ResponderEliminarLuís, continua com esta iniciativa. eu até enviava um texto, mas não tenho mesmo jeito.
Abraço
A par de "CONHECIMENTO DO INFERNO" e "OS CUS DE JUDAS", este é um dos três (os seus primeiros) livros do ALA que se conseguem ler, todos os outros são absolutamente ilegíveis!
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