Autor: Cormac McCarthy
Título original: The Road
Sinopse: Um pai e um filho caminham sozinhos pela América. Nada se move na paisagem devastada, excepto a cinza no vento. O frio é tanto que é capaz de rachar as pedras. O céu está escuro e a neve, quando cai, é cinzenta. O seu destino é a costa, embora não saibam o que os espera, ou se algo os espera. Nada possuem, apenas uma pistola para se defenderem dos bandidos que assaltam a estrada, as roupas que trazem vestidas, comida que vão encontrando - e um ao outro.
A Estrada é a história verdadeiramente comovente de uma viagem, que imagina com ousadia um futuro onde não há esperança, mas onde um pai e um filho, "cada qual o mundo inteiro do outro", se vão sustentando através do amor. Impressionante na plenitude da sua visão, esta é uma meditação inabalável sobre o pior e o melhor de que somos capazes: a destruição última, a persistência desesperada e o afecto que mantém duas pessoas vivas enfrentando a devastação total.
Este foi o livro que deu a McCarthy o Prémio Pulitzer e será talvez a sua obra mais aclamada, sendo certamente um dos melhores dentro do género de Ficção-Científica Apocalíptica. Sem nunca percebermos o que aconteceu ao mundo, a bela escrita do autor contrasta com o mundo devastado. As estradas não têm nome, nem os locais. O mundo não tem cor, apenas sangue, cinzas e medo, num cenário de céu e neve cinzenta. Apenas sabemos que as personagens dirigem-se para Sul, e nem elas sabem o que os aguarda nessa costa onde esperam que o mar ainda seja azul.
As personagens, pai e filho, não apresentam nome ou idade, apenas esperança. Este simples facto de nada ser identificado pelo autor aproxima-nos de forma indirecta, permitindo-nos viver estas páginas mais intensamente. É como se fossemos nós ali, e aquelas ruas as do nosso país.
Alguns poderão achar este livro repetitivo, mas apenas porque as rotinas de sobrevivência também as são. Permanentes, repetitivas, tal como o próprio objectivo. Sobreviver. Pessoalmente achei-o aterrador pela imagem forte que o autor nos dá de um mundo onde nada resta. Não há o verde nas árvores, nem o doce das frutas, nem o movimento dos animais, nem a capacidade de ajudar o desconhecido. É um planeta desolado onde grupos tentam sobreviver de comida enlatada, água da chuva… e de carne humana. A comida é o maior dos bens. Gasolina, armas, ferramentas, tudo isso serve para ajudar à derradeira necessidade: encontrar comida.
O canibalismo é o maior medo, acima da tortura ou da violação. É esse medo que faz o pai poupar uma bala para um dia matar o filho, se forem apanhados. E que sensação marcante é. Consegue um pai matar um filho quando o momento chegar? Este pai, desprovido de qualquer objectivo que não seja levar o seu filho até ao Sul, fará tudo para o manter vivo. Ele é a encarnação daquela força que não nos deixa desistir quando todos os outros o fazem. O tempo passa, a sensação de privação também, mas os medos ficam. Este pai desconfia de tudo e de todos, mas até que ponto poderá ele um dia desconfiar da própria esperança?
À sua frente os corpos comidos, as pessoas que se matam para fugirem à dor, à violação e ao canibalismo. Este livro obriga-nos a perguntar: qual é o ponto em que todos perdemos o sentido de humanidade? Até onde vai o Homem que anseia sobreviver? Onde está a linha que separa os bons dos maus se o que está em causa é a sobrevivência do que mais estimamos? Até onde vamos para salvar um filho?
A imaginação do autor para criar situações neste mundo apocalíptico leva-nos simplesmente a perceber que nada nem ninguém poderá estar preparado para uma situação extrema como esta. Quem está acompanhado não está preparado, nem quem está sozinho, ou armado, ou desprovido de medo. Nem quem acredita em Deus está preparado para o que este livro dá às suas personagens.
O filho que deseja uma criança com quem brincar percebe que nos esquecemos do que queremos recordar, e recordamos o que queremos esquecer. O medo e a tristeza depois de instaladas na mente humana podem ser tapadas, mas a recordação permanecerá para sempre. O pai sabe, ou pelo menos tenta mentalizar-se do óbvio: um dia irá deixar o seu filho. Mas estará a criança preparada quando tal acontecer? Estaria qualquer leitor preparado para viver sozinho num mundo desolado que nos deseja devorar?
Este é um excelente livro, com uma força narrativa que nos obriga a continuar a ler, a preocupar-nos com este pai e filho sem nomes. Algumas pessoas poderão odiar o livro, pela sua imagem cinzenta, por ser um conjunto de páginas desprovidas de esperança, ou pelo seu final que marca quem quer que o leia.
No fim pergunta-mos: estará um pai preparado para deixar um filho? E um filho para deixar o pai? E se nunca tiverem de o fazer? Há situações para as quais não estamos preparados e somos atingidas por elas… talvez seja melhor estarmos preparados. Estar sempre preparado. Conseguirá o amor de um pai e filho vencer onde tudo o resto falhou?
Um excelente livro, uma surpresa muito agradável, com uma personagem principal marcante e inspiradora, e que recomendo vivamente a quem gostar do género.
Luís Pinto