Primeiro que tudo devo dizer que já li O Senhor dos Anéis mas ainda só li os 3 primeiros livros da saga Game of Thrones (os 6 livros da edição portuguesa) e como tal farei este texto com base no que li até agora.
Foram várias as pessoas que nos últimos tempos me perguntaram: É a saga Guerra de Tronos (GOT) melhor do que O Senhor dos Anéis (LOTR)? Qual é o melhor livro da fantasia? Eu não darei a resposta, mas deixarei aqui aquelas que serão para mim as principais diferenças.
Primeiro deixem-me explicar porque não irei responder a essa pergunta e porque é que nunca o fiz de forma objectiva… porque para mim uma saga é um todo, e GOT ainda não acabou. Quando Martin acabar de escrever a sua saga então eu terei a minha opinião bem definida, até lá não o farei.
Em segundo lugar existe o problema de comparar duas sagas que pouco, ou quase nada têm em comum. Primeiro temos LOTR, escrito na fase da Segunda Guerra Mundial, numa altura em que ninguém lia fantasia e quando criar uma história onde árvores falavam e andavam era no mínimo impensável. GOT por seu lado é escrito numa altura em que a fantasia cresceu, é aceite pelo público e muito graças a LOTR. Outro ponto onde diferem é sobre a base da história, o que a faz ser única. LOTR é uma história sobre a guerra entre o bem e o mal, mas o que a torna única é o mundo, o Universo que Tolkien criou, que revolucionou toda a fantasia e que até hoje nunca ninguém conseguiu chegar perto. Neste ponto, a minha opinião é que Martin está muito longe de atingir a quase perfeição do mundo que Tolkien inventou.
Mas GOT não tem como base um mundo, mas sim as suas personagens, credíveis, humanas, quase sem percebermos de que lado estão a jogar. E aqui, nas personagens, Martin vence Tolkien.
O terceiro ponto onde estas duas sagas diferem (pelo menos na minha opinião) é aquele ponto que todos forçam comparar, na fantasia. Neste ponto darei a minha opinião objectiva: Tolkien inventou um livro de fantasia, o melhor, o que revolucionou tudo… Tolkien escreveu um livro de fantasia puro, Martin não o faz. Aliás, a fantasia que Martin criou no seu livro não traz nada de novo, e já muitos outros fizeram algo parecido. Não, para mim, Martin escreveu um livro que tem algo de fantasia, mas não é isso o seu livro, o seu livro é um entrelaçado de personagens realistas com os seus interesses, medos e destinos incertos. A fantasia aparece apenas de vez em quando e não marca. Esta é para mim a grande diferença.
Passemos a outras mais óbvias: as personagens de Tolkien são mais previsíveis, mais estereotipadas, ao contrário de em GOT onde a mudança de lado e o realismo está presente em cada personagem, e muitas vezes não o percebemos. Neste aspecto prefiro GoT, pois ao olharmos para LOTR percebemos que Sam será sempre amigo de Frodo, que Boromir mais cedo ou mais tarde acabará por tentar roubar o anel, que Faramir nunca o fará, entre muitas outras coisas. Em GOT tal não acontece, pois a cada página uma personagem pode “mudar de lado” devido a uma necessidade de algo, de cumprir um objectivo, seja ele qual for.
Esta imprevisibilidade nas personagens de Martin é o espelho da sua escrita, imprevisível. Uma vez mais difere de LOTR porque a verdade é que qualquer personagem, por mais principal ou adorada que seja, poderá morrer na página seguinte. Uma vez mais, trata-se de uma escrita mais próxima da realidade se olharmos ao “desenrolar da história”. Martin arrisca em certas mortes e tramas, e arrisca bem!
Ainda no tipo de escrita, Tolkien escreve uma história com descrições extensas, por vezes belas, por vezes alegres e tristes. Martin corta com esse conceito e dá-nos um lado visual mais adulto, com a violência normal numa guerra, com sexo e com todo o ódio e desprezo que a mente humana é capaz de produzir. Nas descrições outra diferença importante é que Tolkien criou um mundo mais do que uma história, e como tal são muitas as páginas que a sua mente prodigiosa criou sobre as descrições dos locais, do passado, da cultura, dos hábitos… Martin não o faz. Usa descrições rápidas, sem grande beleza ou magnitude, mas nunca me senti perdido ou a achar que algo faltava.
Outra diferença importante é como as personagens nos são “dadas”. Tolkien descrevia-as, falando-nos sobre as suas mentalidades, medos, passado, traumas, etc… Martin não o faz da mesma forma. O que faz é dar-nos a história pelos seus olhos, aproximando-nos da personagem em questão a cada capítulo. Desta forma a personagem é-nos dada a conhecer enquanto a história se desenvolve, sem grande quebra de ritmo e sem cansar o leitor. Claro que este tipo de dar a conhecer as personagens ajuda-nos a perceber algo mais profundo, aquilo que falta a outros livros e aqui Martin é mestre por nos revelar o intimo de cada mente. Ao sabermos mais sobre as suas personagens percebemos cada vez mais que existem menos diferenças entre elas do que aquilo que nos é dado no início. Aliás, são muitas as personagens que ainda não percebi se encaixam no lado “bom” ou no “mau”. A questão é: existe uma diferença entre o bem e o mal em GOT? Em LOTR essa diferença é marcada bem cedo e são poucas as personagens que mudam de lado, já em GOT uma vez mais existe um realismo associado a certas necessidades, como a sobrevivência, que levam muitas personagens a mudar de lado enquanto outras caminham sempre na linha que separa o bem do mal.
Como disse antes, não vou aqui dizer qual é o melhor no global, essencialmente porque são livros demasiado distantes na sua base e porque GOT ainda não acabou. Não faria sentido dizer agora que GOT era melhor ou pior sem saber o seu final e até que ponto Martin terá a genialidade necessária para dar a este seu mundo um final que seja ao nível do que nos habituou.
Mas há algo que posso fazer para já, dizer num ou noutro aspecto o que acho se os tentarmos comparar: nas personagens Martin ganha, pela sua maior riqueza, realidade e complexidade.
Na história em si Martin ganha por um único motivo: é imprevisível.
Na forma como escreve Martin volta a ganhar porque descreve enquanto desenvolve a história, não quebrando o ritmo e porque tem o golpe de génio de nos dar cada capítulo pelos olhos de uma personagem diferente, e assim conseguimos conhecê-la melhor, perceber as suas acções e acima de tudo, faz-nos gostar, em alguns casos, tanto dos supostos bons como dos maus.
No mundo onde a história se desenrola Tolkien é Rei, e na minha opinião não existe sequer comparação. O mundo de Tolkien é tão soberbamente rico e tão inovador para a altura que até faz confusão tal ser criado naquela fase da história da humanidade. A fantasia criada por Tolkien é aquela que marcou todo o género literário até agora e por mais ramificada que esteja actualmente, é raro o livro da fantasia onde não vemos um ou outro ponto onde pensamos “Tolkien está aqui”.
Se tentarmos dizer qual o melhor livro de fantasia de sempre, é indiscutivelmente O Senhor dos Anéis, porque é o melhor em todos os parâmetros da fantasia. Got não é, por comparação um livro de fantasia. GoT tem dragões, tem uns mortos que voltam à vida (não irei aqui revelar tudo o que acontece de fantasia) e pouco mais… é preciso explicar aqui tudo o que LOTR tem de fantasia nas suas páginas?
Mas se retirarmos da pergunta inicial a palavra “fantasia” tudo muda. Qual é o melhor livro? A minha resposta, não sendo objectiva, é a seguinte: LOTR é o livro mais vendido e mais aclamado que existe, posto constantemente em primeiro lugar por leitores ou críticos como a maior obra-prima da literatura… durante todos estes anos muitos foram os que esperaram por algo que se pudesse comparar, nunca ninguém conseguiu. Agora Martin chegou e as comparações e as questões levantaram-se… Martin pode nunca bater Tolkien, como também o pode superar, para mim não é essa a questão… o que devemos pensar é: o que Martin escreveu ao ser comparado a LOTR tem, obrigatoriamente, de ser bom, muito bom. Nós nunca comparamos o que é bom com o que é mau. E como tal, Martin tem uma fabulosa saga, que ficará na história (se conseguir manter o nível) e que será lida e recordada durante muitos anos. Eu para já estou a adorar, estou completamente viciado e admirado pelo grande trabalho de Martin, porque é a melhor saga dos últimos anos e ninguém a deve perder.
Esqueçam a resposta sobre qual é a melhor, leiam os dois e decidam por vós próprios… é o que eu estou a fazer.
Espaço ainda para pedir desculpa pelo texto tão grande, mas seriam vergonhoso falar destas duas sagas em apenas algumas linhas. Deixem-me as vossas opiniões, digam-me o que gostaram mais nos livros, quer tenham lido as duas sagas ou apenas uma.