sexta-feira, 16 de março de 2012

A CONSPIRAÇÃO DOS ANTEPASSADOS


Autor: David Soares

Na tradição dos melhores thrillers, David Soares convida-nos a espreitar debaixo do véu e a vislumbrar a mais assustadora conspiração da História: um livro assinado por Francisco d'Ollanda, o maior artista português do Renascimento, é cobiçado por uma seita disposta a tudo para o obter. Que terrível segredo terá nas suas páginas para justificar tanto sangue? Fernando Pessoa é convidado por Aleister Crowley, o mágico inglês, a entrar numa aventura cheia de mistério e suspense para descobrir esse segredo que, afinal, talvez tenha a ver com D. Sebastião, e a verdadeira razão porque os portugueses foram derrotados em Alcácer-Quibir.

Uma vez mais volto aos livros de David Soares, desta vez par ler  A Conspiração dos Antepassados. As expectativas foram altas desde o momento em que peguei no livro, graças a O Evangelho do Enforcado que gostei bastante, mas principalmente porque continuo a admirar a inquestionável qualidade do livro Batalha.

Neste livro Soares mostra desde o início um excelente trabalho de investigação e conhecimento profundo dos temas que são “usados” neste livro. A forma como consegue encaixar fantasia e factos num mesmo enredo está, na minha opinião, muito bem conseguida tanto no seu desenvolvimento como no timing usado.
A sua escrita é forte, tal como em todos os livros anteriores, talvez mais forte, mais visual (por vezes achei-a demasiado explícita, mas que é bem usada como forma de tornar as personagens mais humanas).  

Em termos de ritmo esta leitura começou algo lenta, talvez porque não consegui aproximar-me tanto das personagens como nos outros livros do autor, onde senti uma ligação quase imediata com a personagem principal. No entanto devo confessar que tanto Pessoa quanto Crowley estão muito bem caracterizados, de forma muito mais humana e menos mistificada, deixando para trás algumas noções que criámos sobre estes dois homens singulares. Soares foge a essas imagens e molda as personagens de forma a encaixá-las na história, ajudando a que o ritmo inicial seja mais lento.
Senti ainda que na primeira metade do livro o ritmo era sempre o mesmo, tão melancólico quanto a personagem de Pessoa (aproveito para dizer que adorei a melancolia da personagem), faltando momentos de aceleração que caracterizam um thriller, e só na segunda metade da obra é que começamos a sentir a adrenalina.

Todos os homens têm falhas, ninguém é perfeito, sabemos isso. No entanto tanto as falhas quanto as virtudes são por vezes “apagadas” quando se trata de personalidades que se tornam ícones, e no caso de Fernando Pessoa, qualquer pessoa conhece, por muito pouco que seja, um pouco da sua obra; mas um cidadão comum nada sabe do “homem” em si, e neste livro Soares dá a sua própria visão, onde se aproxima certamente da realidade. Tal facto agradou-me em Pessoa tal como em Crowley. Confesso ainda que no início estava curioso sobre como iria Soares definir Pessoa e a sua ligação com os heterónimos. Estaríamos perante um génio? Um louco? Uma mistura dos dois? Ou teríamos um homem perseguido e atormentado pela sua própria imaginação?
David Soares não levou a personagem de Pessoa pelo caminho que eu esperava, muito provavelmente porque não encaixaria na história, mas este desencontro com as minhas expectativas não piorou em nada a leitura.

Mesmo lento ao início a qualidade esteve sempre presente e para isso contribuíram tanto o lado humano das personagens como a própria cidade de Lisboa. Neste aspecto o trabalho do autor está mesmo muito bom, pois a cidade quase respira como um ser vivo, com pormenores que nos fazem imaginar cada momento e até compará-la com a cidade actual.

Para mim este livro não foi tão interessante quanto O Evangelho do Enforcado apenas por dois motivos: primeiro o universo de Evangelho é muito mais vasto, o que gostei imenso, e segundo porque me liguei mais às personagens da obra que fala dos Painéis de São Vicente. Também confesso que para mim não consegue alcançar a qualidade de Batalha (poucos conseguem), mas A Conspiração dos Antepassados continua a ser um livro muito bom, com uma excelente mistura de fantasia e factos, uma história que me prendeu bastante na segunda metade e que tem ainda o mérito de mostrar, como personagem principal, uma personalidade que apesar de idolatrada pela sociedade actual, está longe do estereótipo de um ídolo.

'Muito bem, mas não se esqueça: o seu talento só será tolerado enquanto aquilo que alcançar não fizer sombra à mediania daqueles que o rodeiam.' (Crowley a falar)
'E o senhor?' (Pessoa a falar)
'Eu? Meu caro, eu sou a excepção. Não invejo ninguém. Como podia? O melhor sou eu!'

Outro ponto muito interessante do livro é o texto de Soares após acabar a história. Tal como no Evangelho do Enforcado, o autor fala um pouco sobre a sua investigação, o seu ponto de vista sobre as personalidades presentes na obra e ainda o porquê e onde misturou fantasia e realidade. Este texto torna esta obra ainda melhor, principalmente porque nos ajuda a situar e diferenciar a realidade da ficção. Um pequeno toque que muitos outros livros deveriam ter pois ajuda o leitor a pensar sobre o livro e sobre a visão do autor. Mesmo muito bom.

Para quem não conheça o trabalho literário de David Soares, as caracterizações das personagens poderão chocar e até afastar-nos da leitura. Comigo tal não aconteceu, mas fica o aviso para aqueles que não gostem de descrições fortes.

David Soares tem ainda o mérito de não escrever com base nos clichés actuais e que vendem muito. Tem o mérito de fugir ao que está socialmente estipulado para a leitura, tanto obra quanto autor, e quando foge a esse conceito fá-lo com qualidade e sem medo de demonstrar a sua visão, e por isso recomendo-o. 
Em quatro livros, David Soares ainda não me desiludiu, o que só demonstra a sua qualidade enquanto autor.

22 comentários:

  1. Olá Luís,

    Desta vez a tempo :D

    Por acaso gostei mais deste livro do que do Evangelho do Enforcado, não sei se pelas personagens principais me terem cativado mais, pois quer pessoa (bem retratado) quer a Besta estiveram muito bem. E depois houve ali uma surpresa muito interessante "ai o meu lova deus :D"

    Seja como for não há duvida que estamos na presença de um excelente escritor e fiquei com mais vontade ainda de comprar A batalha...e eu a pensar que podia ler esta critica à vontade pois já tinha o livro .

    Abraço

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    1. Olá Paulo!
      Quem anda atrasado sou eu e não tu.
      Também gostei da surpresa do louva-a-deus. Não estava mesmo nada à espera.
      E ainda bem que ficaste com mais vontade de ler o Batalha. Acredito que pelo seu conteúdo algo filosófico nem todos os leitores gostem, mas eu simplesmente adorei.

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  2. Uma vez mais gostei da tua opinião e pondero começar a ler este autor em breve. Sempre fugi um pouco aos autores portugueses neste género mas vejo que este é uma boa aposta.

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  3. Li o Evangelho do Enforcado por sugestão tua e depois de ter visto mais críticas favoráveis pela internet. Gostei bastante e pondero voltar a este autor, agora provavelmente com o Batalha mas este estará também próximo. Gostei bastante do que escreveste aqui e o tema é interessante, principalmente pelo que dizes: Pessoa não é à partida uma personagem principal como estamos habituados.

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    1. Olá Augusto. Ainda bem que gostaste do Evangelho. Parte para o Batalha. Acredito que vás gostar.

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  4. Fiquei muito impressionada com todas as críticas que fizeste deste autor e já tenho o Batalha na lista de próximos a comprar. O Evangelho do Enforcado não tem um tema que me fascine mas este conseguiu captar a minha atenção. Vou procurar mais opiniões mas para já fiquei curiosa. Uma vez mais excelente trabalho da tua parte. Vou ainda ter em conta essa escrita forte que falas.

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  5. Mais um belo trabalho da tua parte. Não conhecia o livro. Acho que nunca dei de caras com esta capa. Parece-me mais uma escolha acertada da tua parte, pois tem factores bem diferentes do normais e que gostei ao teres falado neles. Talvez mais um para a feira do livro. O bolso não ajuda.

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  6. Mais um livro que me parece ser de grande qualidade. Já tinha ficado muito impressionado com as tuas opiniões aos outros livros do autor e como dizes, parece que nunca desiludiu, o que é muito importante.
    Parabéns pela opinião bem estruturada.

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  7. Aproveito esta opinião para te informar que há umas duas semanas acabei o Batalha e concordo com o mail que me respondeste. É um dos melhores livros portugueses dos últimos anos.

    Em principio irei comprar o Enforcado e se continuar a gostar irei para este. Parece-me que estamos perante um grande autor da nossa geração.

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    1. Fico contente por teres acabado o Batalha e teres gostado. É sempre bom ver que outras pessoas têm a mesma sensação que nós ao acabar um livro.

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  8. Parece-me que estamos perante um grande autor. Irei comprar o Batalha em breve e reparei que também publica alguns trabalhos de BD. Estou a pensar adquirir também.
    A tua opinião, sempre bem organizada deixa-me com vontade de meter este livro na wishlist.

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  9. Olá Luis... aguçaste-me mesmo o apetite por este autor! :) (devo ser o único que nunca leu nada de David Soares).
    Vamos vou seguir o conselho que me deste esta manhã... assim que puder irei ler "Batalha" e depois conversamos ok?
    Um grande abraço. E obrigado pelas tuas criticas, sempre tão concretas.

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    1. Olá Nuno!
      Fico à espera que me digas o que achaste do batalha!
      Obrigado eu por passares por aqui! Fico à espera da opinião ao Batalha no teu blog.

      Abraço

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  10. Como sempre uma excelente crítica e um liro para ficar de olho

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  11. Como sempre consegues motiar a comprar um liro. Fikei bastante interessada neste. já tinha isto boas críticas mas agora convenceste-me.

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    1. Uma pessoa escreve mal uma palavra e apareces logo tu a gozar é?

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  12. Parece-me uma aposta cda vez mais segura. Boa opinião como sempre

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  13. Gostei mais deste do que do Evangelho do Enforcado porque adoro Fernando Pessoa. Em tudo o resto estou de acordo contigo. Uma opinião bem fundamentada como é teu hábito e cada vez mais estou decidida em comprar o Batalha de que tanto falas. Espero gostar.

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    1. Fico à espera de opiniões então sobre o Batalha!

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