domingo, 4 de março de 2012

O ROMANCISTA INGÉNUO E O SENTIMENTAL


Autor: Orhan Pamuk

Título original: The Naive and the Sentimental Novelist



Vencedor do Prémio Nobel da Literatura em 2006, Orhan Pamuk apresenta-nos um livro diferente mas com uma qualidade muito acima da média. Em 2009 Pamuk deu uma série de seis conferências na Universidade de Harvard tendo como base o ensaio de Schiller Sobre a Poesia Ingénua e a Sentimental.
Pamuk, grande conhecedor do tema, reúne neste livro essas seis conferências, onde transporta para o romance a visão de Shiller e nas poucas mais de 130 páginas deste livro tentamos perceber até que ponto será necessário, ou não, para o leitor e autor, existir um equilíbrio entre os conceitos ingénuo e sentimental.

Porque gosto de ler? O que me faz gostar mais de uns livros do que de outros? O que me distingue a mim, que prefiro Dostoievski, a quem prefere Tolstoi?
Que fenómeno é esse que me faz entrar num mundo, sofrer, sorrir… por algo que conscientemente sei ser imaginário? Qual é sequer o sentido da existência de todas as emoções que um livro me oferece quando eu sei que estou a ler algo que não é real? Então a pergunta é: o que acontece no nosso cérebro enquanto leio?
Estas são, indirectamente, as perguntas que Pamuk tenta responder, não de forma “científica”, mas sim “psicologicamente”. Porque afinal, numa era tecnológica, inundada pelas capacidades gráficas, o livro continua a cativar pessoas… qual é a razão?

Qual é a ligação entre escritor e leitor? Até que ponto se moldam um ao outro?

Com uma escrita simples e que nunca se perde, Pamuk recheia a sua argumentação com referência a grandes clássicos como Anna Karenina, Os Demónios ou os Irmãos Karamazov, entre muitos outros. Estas referências ajudam a perceber o que o autor nos tenta transmitir e mesmo quem não tenha lido os livros referidos, conseguirá perceber a ideia que Pamuk quer demonstrar. Ainda dentro das referências a livros devo dizer que gostei muito do facto de Pamuk não se limitar a uma cultura literária, falando de livros russos, chineses, indianos, até chegar à literatura mais ocidental, como a inglesa e a americana.
Outro facto que achei muito conseguido foi a divisão entre temas durante o livro (a mesma divisão que terá feito entre as suas palestras). Sendo assim é-nos apresentado um livro dividido em seis partes, onde Pamuk fala: sobre o que se passa na nossa cabeça enquanto lemos, a necessidade do leitor em tentar encontrar/desejar que algo na história seja verdade. Personagens, intriga e tempo narrativo, palavras, imagens, centro do romance, etc…

É sinal de grandeza e de profundidade de um romance a distância estabelecida entre a história que se conta e o centro da obra.

Na minha opinião este livro não deve ser apenas lido. Deve ser antes uma discussão, deve ser uma tentativa de diálogo entre o autor e o leitor. Argumentar com o que lemos, tornar este livro em algo mais… uma fonte de aprendizagem.
Tentando entrar nesse tipo de discussão fictícia, percebo que em alguns pontos de vista posso discordar com o autor. Mas quem sou eu para discordar? Apenas um simples leitor, mas no entanto, enquanto leitor, penso que devo ter a obrigação neste livro de explorar o ponto de vista que me é exposto. Como resultado, em alguns casos Pamuk caminha na mesma direcção do meu ponto de vista destes temas. Em alguns casos Pamuk foi uma direcção oposta, e em muitas vezes convenceu-me a mudar de direcção, seguindo a sua ideia. E penso que é esta experiência que marca o livro. Para mim este é um livro que se lê rapidamente, mas não o deve ser feito. Devemos ter a capacidade de ler, pensar, “levantar o braço” e fazer uma pergunta.

Posto isto só posso dizer que se trata de um livro obrigatório para quem um dia queira ser escritor, mas não só! Todos os leitores que, como eu, se interessam sobre o porquê das coisas, da evolução da literatura, das suas diferenças e semelhanças, devem olhar para estas palavras. Este é um livro para os leitores que dentro deste tema, gostem de ouvir, perceber, argumentar e aprender. Eu senti todas estas necessidades, principalmente no último tema, o do centro do romance, onde Pamuk conseguiu captar todo o meu interesse, obrigando-me a uma leitura lenta e de grande fascínio.
Espero ainda, que existam mais discussões sobre este tema, pois o ponto de vista de Pamuk tem falhas, tal como ele próprio sugere em algumas ocasiões ao trazer ao debate o nome Dostoievski, escritor que rompeu com muitos conceitos que na altura pareciam básicos, obrigatórios.

Resumindo, adorei este livro, pelo que me fez pensar, e como já o disse muitas vezes, aprecio bastante um livro capaz de me transmitir enormes sensações, mas são aqueles que me fazem pensar que mais me cativam. Não será um livro para qualquer leitor, muitos não estarão interessados no tema, mas digo-vos: trata-se de um livro de enorme qualidade e que cativará muitos leitores e também escritores. Voltarei a lê-lo!

16 comentários:

  1. Olá! Fiquei muito curiosa com este livro. Parabéns pela divulgaçao de um livro que me parece bem diferente do que existe no mercado. Excelente texto da tua parte!

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  2. Não é o meu género de leitura mas noto um entusiasmo na tua crítica e quando isso acontece o livro só pode ser bom. Vou dar uma olhadela.

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  3. Uma vez mais as tuas críticas obrigam-nos a olhar com interesse para o livro. Até agora as tuas opiniões mostraram-me grandes livros, por isso também vou dar uma vista de olhos a este.

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  4. Conheço o autor e irei comprar este livro nos próximos tempos. Parece-me uma narrativa interessante e a tua opinião convenceu-me. Parabéns, está sublime e muito bem construída.

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  5. Há algum tempo que tou para ler algo deste autor. Com esta opinião convenceste-me. Irei comprá-lo. Parabéns pela opinião. Se tiver alguma dúvida adicional sobre o livro venho aqui perguntar.

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  6. Gostei muito da tua opinião. Mais um para a minha lista. Vou comprar de certeza.
    Fiquei mesmo muito curiosa

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  7. Obrigado pela divulgação deste livro. Será o 2º que leio deste autor e parece-me que se trata de um excelente livro.

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  8. Adorei a sua opinião. Muito bem estruturado, com uma visão própria sobre um livro que aparenta ter também uma visão diferente. Um conceito novo que me deixou curiosa. A sua opinião é realmente excelente.
    Parece-me uma boa oportunidade de começar a ler este autor.

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  9. A forma como olhas para este livro parece-me dar ainda um novo vigor a essa visão do autor. Livro que irei certamente comprar, pois sou grande apreciador de Orhan. O teu texto está excelente, com a qualidade do costume. Parabéns.

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  10. Penso que este livro tem que ter a sua altura própria para ser lido,nem sempre se está com a devida disposição para algumas leituras mais sérias,digo isto por experiência própria,dado que apesar de gostar de ler praticamente de tudo,há alturas em que certas leituras que um dia foram uma maravilha,passado meses(ou dias) não os conseguiria ler.

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  11. começo a acreditar que não sabes fazer más críticas. Vou comprar este livro. Estás sempre a convencer-me. para quando "as Brumas de Avalon" e já agora, "a vida de Pi"?

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  12. Como já disse muitas vezes, o teu blog é fantástico. Grande qualidade em tudo o que fazes. Parabéns! Este livro vai ser comprado por mim, de certeza.

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  13. Parece-me um livro muito interessante numa entusiasmante e muito esclarecida crítica da sua parte.

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  14. Uma opinião muito interessante a um livro que me parece fora do normal. Não vai ao encontro do meu género mas sendo um livro barato sou capaz de lhe dar uma oportunidade.

    Parabéns pelo texto.

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  15. Tenho de dar uma oportunidade a este livro..tenho-o há imenso tempo (desde a sua publicação) cá em casa. E ler um Nobel será certamente uma escolha certa.

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    1. É um livro diferente do normal, mas com um tema que me interessou bastante. E a forma como foi exposto torna-o mais interessante.

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