Autor: Romain Puértolas
Título original: L'extraordinaire voyage du fakir qui était resté coincé dans une armoire ikea
Sinopse: Ajatashatru Larash Patel, faquir de profissão, que vive de expedientes e
truques de vão de escada, acorda certa manhã decidido a comprar uma
nova cama de pregos. Abre o jornal e vê uma promoção aliciante: uma cama
de pregos a €99,99 na loja Ikea mais próxima, em Paris. Veste-se para a
ocasião - fato de seda brilhante, gravata e o seu melhor turbante - e
parte da Índia com destino ao aeroporto Charles de Gaulle. Uma vez
chegado ao enorme edifício azul e maravilhado com a sapiência expositiva
da megastore sueca, decide passar aí a noite a explorar o espaço. No
entanto, um batalhão de funcionários da loja a trabalhar fora de horas
obriga-o a esconder-se dentro de um armário, prestes a ser despachado
para Inglaterra. Para o faquir, é o começo de uma aventura feita de
encontros surreais, perseguições, fugas e aventuras inimagináveis, que o
levam numa viagem por toda a Europa e Norte de África.
O título despertou-me a atenção, talvez pela sua originalidade, talvez por perceber de imediato que teria de ser algo diferente e cómico. E é mesmo isso o que temos neste livro, algo diferente e cómico mas com crítica suficiente para se destacar.
Um dos problemas dos livros cómicos está no facto de muitas vezes a tradução originar a perda de algumas piadas que apenas funcionam na língua original. Para quem lê a tradução, por vezes não se percebe o que estamos a perder. Todavia, a sensação que me ficou após ler este livro, e sempre atento a possíveis perdas, é que a tradução está bem feita, originando um livro muito divertido.
Este é, definitivamente, um livro divertido mas que nos tenta abrir os olhos para alguns problemas da nossa sociedade, principalmente francesa, sendo o tema principal a emigração/imigração ilegal. Comecemos pela crítica social...
Romain explora temas levando-os aos ridículo, uma forma muito usada de levando ao extremo um assunto, conseguir levar às gargalhadas, mas também a chocar em alguns momentos, para que o leitor possa pensar sobre o assunto. Ridicularizar é uma das formas mais fáceis de criar comédia, mas também uma das formas que mais depressa pode saturar. Aqui Romain sabe quando parar, mas alguns leitores poderão sentir que existe uma repetição de alguns clichés sobre certos tipos de sociedades.
O local onde nascemos define-nos para sempre. As oportunidades que iremos ter, terão sempre como condicionante esse mesmo local, quer seja pela positiva ou pela negativa. Num mesmo planeta, uns terão paz, emprego, comida, outros não... O sonho e a necessidade de conseguir uma vida melhor, mais segura, mais estável, leva diariamente muitas pessoas a abandonarem os seus países, procurando algo mais noutros. Por vezes têm sucesso, por vezes são enganados, por vezes regressam. Neste livro Romain expõe o sonho de quem sacrifica tudo para tentar entrar num país mais estável, alcançando uma vida melhor.
Aqui temos um pouco de tudo. O autor "toca" na religião, política, crenças, hábitos, diferentes necessidades de emprego e para nos mostrar o quanto o mundo é desequilibrado, o quanto a maioria das pessoas nada faz para alterar esse desequilíbrio e até seguimos certas ações que ajudam a perpetuar tal facto. As aventuras de Patel servem para demonstrar as dificuldades de quem quer ter uma vida melhor, mas também a vida de quem não se consegue adaptar a uma nova realidade, existindo aqui um duelo invisível entre aqueles que vêem o seu país "invadido" de imigrantes e aqueles que tentam adaptar-se a uma nova realidade. Pelo meio a crítica aos que imigram mas não querem mudar os seus costumes...
Patel, personagem muito interessante, é o motor da aventura, catalisador da parte cómica mas também o "moderador" da crítica social. No entanto, e apesar de ter falado bastante sobre a crítica, este é um livro para fazer o leitor rir. É rápido, é alegre, é leve. Acima de tudo é inteligente em alguns momentos. O seu enorme sucesso terá, provavelmente, como base a originalidade misturada no ridículo, mas também a sua mensagem final... Romain apela, indiretamente, à tolerância entre povos, quaisquer que sejam as suas divisões. Religião, política, hábitos, tudo isto pode e deve ser algo que nos diferencie, mas não algo que nos divida. Outros leitores poderão ver outra moral, mas para mim, esta é a grande mensagem deste enredo que é uma farsa do início ao fim.
Romain oferece um livro divertido mas crítico, agradando a alguns e a outros não. Recomendo este livro a quem goste do género e não se importe de ser invadido por clichés que aqui são muito bem usados para criar a comédia. Dentro do seu género foi do mais divertido que li nos últimos tempos e certamente que irá proporcionar muitas gargalhadas por este mundo fora.
Luís Pinto