Autor: Witold Pilecki
Título original: The Auschwitz volunteer: Beyond Bravery
Sinopse: Witold Pilecki, capitão do Exército do Estado clandestino polaco, fez
algo que mais ninguém teve a coragem de repetir: voluntariar-se para ser
preso em Auschwitz, o mais violento e mortífero campo de concentração
nazi, e, dessa forma, relatar os horrores ali praticados pelo Terceiro
Reich.
A missão, realizada entre 1940 e 1943, tinha dois objetivos: informar os
Aliados sobre as práticas nazis nos seus campos de concentração, dos
quais se conheciam, então, apenas algumas informações esparsas, mas
muito preocupantes; e organizar os prisioneiros em grupos de resistência
contra as forças alemãs, na tentativa de controlar o campo.
Sobrevivendo a muito custo a quase três anos de fome, doença e
brutalidade, Pilecki foi bem-sucedido na sua missão, conseguindo
evadir-se do campo de concentração em abril de 1943.
O Voluntário de Auschwitz é o relatório mais extenso do capitão
Witold Pilecki, completado em 1945, no exílio. Escondido pela ditadura
comunista na Polónia durante mais de 40 anos, este documento único na
história e na literatura sobre Auschwitz, a Segunda Guerra Mundial e o
Holocausto é agora publicado pela primeira vez em português.
Este é um dos temas mais sensíveis da nossa História. O que aconteceu em Auschwitz é algo que nunca deveremos esquecer. Tendo visitado este campo em 2010, ainda hoje as imagens perduram na minha memória, e quando li este livro, foram vários os momentos em que quase consegui visualizar o que realmente aconteceu, tal é a força e o detalhe da escrita do autor. Mas, na verdade, nenhum de nós, por mais livros que leia ou filmes que veja, poderá sentir o que realmente aconteceu dentro daqueles muros. E é por isso que nunca o devemos esquecer.
Este relato, objetivo e revoltado, sentimental e desprovido de esperança, é um livro que todos devíamos ler. É um constante alertar sobre aquilo que o ser humano pode fazer, tanto de bom, como de mau. Talvez até esteja aqui uma definição do que é ser humano, e que queremos esquecer. Este é mais do que um livro, é um relato histórico invejável que devemos seguir até ao fim, e mesmo assim não conseguimos perceber o sacrifício que está espalhado por estas palavras. Talvez estas palavras tenham algo mais... talvez tenham amor, pois não acredito que um homem, casado, pai, faça tal missão se não for por amor ao seu povo e à sua nação.
No fundo, este é o relato de uma vida única, dos anos que uma guerra tirou a uma humanidade, das marcas que estas memórias nos deixam. Como é possível o ser humano ser capaz de tal coisa?
"“No bloco 3, eu estava na camarata 1, que tinha como supervisor Drozd (...). Foi da janela do primeiro piso deste bloco que, um
dia, presenciei uma cena que ficou gravada na minha memória.
(...) Chovia e estava um dia tristonho. (...) Três homens das SS,
parados junto à vala e impedidos de sair dali com medo de Palizsch ou
do comandante, que andava nesse dia a meter o nariz no campo, tinham
inventado um jogo. Combinavam qualquer coisa e cada um depositava uma
nota em cima de um tijolo. Então, enterraram a cabeça de um dos prisioneiros na areia, com a parte
de cima do corpo dentro do buraco e, de olho no relógio, foram contando
os minutos em que as pernas continuariam a mexer. Uma nova modalidade
de lotaria, pensei. É claro que aquele que desse a previsão mais
aproximada sobre o tempo que alguém enterrado aguentava enquanto
continuava a agitar as pernas até morrer arrebatava o prémio”
Ler este livro é uma poderosa e inesquecível mistura de sabores. Este é um livro impregnado de esperança e de ódio, de crueldade e do mais altruísta amor. Este é um livro onde na mesma página vemos o homem que decide matar apenas porque não o olharam devidamente, e o outro homem que se sacrifica para que o seu amigo sobreviva.
"Das novas remessas, eram gaseadas diariamente mais de um milhar de pessoas. Recorria-se a guindastes para içar os corpos das valas. As máquinas cravavam as garras de metal nos cadáveres em decomposição. Em alguns sítios, esguichavam pequenos repuxos de pus fétido. As partes dos corpos arrancados às pilhas de cadavéres pelos guindastes e desenterradas à mão eram levadas para grandes montes, onde se acumulavam alternadamente lenha e restos de seres humanos. Estes montes eram então ateados e, por vezes, não se poupava na gasolina. Depois, ardiam dia e noite ao longe de dois meses e meio, espalhando em redor de Auschwitz o cheiro pestilento da combustão de carne e ossos humanos. As equipas de trabalho destacadas para esta tarefa compunham-se exclusivamente de judeus e viviam apenas mais duas semanas. Depois disso, eram gaseados e os seus corpos quimados por outros judeus recém-chegados, reúnidos em novas euipas, ignorando que apenas lhes restavam duas semanas de vida..."
Esta foi uma das leituras mais marcantes dos últimos tempos. O facto de estarmos a ler algo verídico torna estas palavras quase esmagadoras para o leitor e é difícil não afirmar que este livro é essencial, não só num contexto histórico, mas também a todos os que queiram ler sobre o tema. Uma leitura fascinante e que felizmente foi recuperada. Uma história de um verdadeiro herói, um daqueles homens que deveria ter sido admirado e aplaudido enquanto vivo, e nunca esquecido, para percebermos tudo aquilo que uma simples pessoa pode fazer por todos nós.
Luís Pinto