quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

PÔR A CASA EM ORDEM


Autor: Matt Ruff

Título original: Set this House in order



A ideia base deste livro, simplesmente fantástica, é, resumidamente, a história de um rapaz com várias personalidades e que tem consciência do seu problema. Para o resolver, Andy "cria" uma casa dentro da sua mente onde as várias personalidades vivem, falam entre sí e comunicam com a personalidade que está a controlar o corpo. Esta base parece algo "rebuscada" ao início, mas posso afirmar que se trata de algo que se torna bastante realista e que no fundo é apenas uma solução para um problema.

Antes de começar com a opinião ao livro, vejamos alguns factos: todos conhecem a história do computador Deep Blue, computador da IBM que venceu Kasparov num duelo de 6 partidas de xadrez (3 partidas empatadas e um resultado final de 2-1). Este computador tinha a capacidade de processar, mais ou menos (não são números oficiais), 3 milhões de milhões de instruções por segundo (e sim, é mesmo milhões de milhões, eu não me enganei a repetir a palavra), e estamos a falar de um super computador, pois um computador doméstico terá no máximo, 100 mil milhões. Nessa altura muitos disseram que o computador batera o cérebro humano em velocidade de processamento. Errado. A diferença é que o nosso cérebro faz muitos mais do que pensar. O nosso cérebro diz, individualmente, a cada célula do nosso corpo, o que devem fazer para sobrevivermos, e para além disso, ainda pensa, processa todos os sentidos, fala, movimenta-se, etc... é impossível calcular com exatidão a capacidade do nosso cérebro (o aglomerado de matéria mais complexa no Universo que conhecemos), mas estima-se que esteja perto dos 100 milhões de milhões de instruções por segundo (são muitos zeros)... e somos totalmente dependentes dele. E se ele não funcionar corretamente? E se o nosso cérebro nos enganar?

Agora, passemos ao livro: recomendado por um amigo e com uma incrível pontuação no GoodReads, comecei este livro com boas expetativas e agora posso dizer que é um dos melhores livros que li nos últimos tempos. Não é fácil entrar na leitura, pois, apesar de não existir aqui qualquer forma de fantasia ou ficção-científica, muito do senso comum é destruído no início, pelo menos na forma como vemos uma pessoa. Esta é uma realidade completamente distinta da forma como este rapaz, Andy Gage (narrador), vive e vê o mundo.

A partir do momento que entramos no livro, temos a tentação de questionar qualquer coisa, tornando o trabalho do autor muito mais difícil, pois estamos atentos a tudo. No entanto, o autor conseguiu em dois momentos, deixar-me de boca aberta, completamente surpreendido. Com este aglomerado de blackouts, ligamo-nos ao personagem, pois em muitos momentos, sabemos apenas o que ele sabe, e que é pouco.

A escrita é simples e directa, com alguns saltos temporais mas que nunca tornam a história confusa (aliás, a história está muito bem montada), o que ajuda bastante para que o livro seja de fácil leitura e ritmo elevado. As personagens, principalmente as personalidades de Andy, estão muito bem construídas, tal como a personagem Penny.

Falar sobre este livro não é fácil sem revelar muito da história, Mas esta obra, que é sobre várias personalidades na mesma mente, é uma lição em que sentimos que devemos aceitar-nos a nós próprios, uma lição sobre mudar o que está mal e não desistir. Matt Ruff olha para a base filosófica que nos diz que somos o nosso passado, e usando personagens traumatizadas, usa esse mesmo passado para as tornar coerentes, e por isso posso dizer que se o passado é a base da nossa personalidade, então este autor explorou o tema como poucos.

E quando as pessoas que mais nos deviam amar, são aquelas que nos viram as costas? Ser amado, é, talvez, a maior necessidade humana. Se não formos amados, não somos felizes, não existe sentido... mas poderemos apagar da nossa mente essa ausência? O que é preciso sofrer para apagar um passado? O que é preciso para acreditarmos que a culpa é nossa?

Bem estruturado e incrivelmente original, Matt Ruff dá-nos um livro que nos mostra a vontade de melhorar, de sobreviver e de criar um significado para a nossa existência. Esta obra é fantástica e recomendada pelas suas personagens, pela sua história, mas principalmente, por nos despertar para uma realidade que muitos de nós não conhecemos, e por isso, este é um livro que não devemos apenas ler, devemos tentar perceber, e sentir, o que é a vida para uma pessoa com este problema. 

Um livro viciante, original e que nos leva numa viagem pela consciência humana, mas também pela capacidade de um homem ser bondoso ou cruel. Como disse antes, falar mais sobre este livro, é revelar o que não devo, e por isso limito-me a recomendar esta leitura, sabendo que aquilo que escrevo não consegue transmitir todas as sensações que este livro me deu.



Luis Pinto

11 comentários:

  1. Agora fiquei mesmo muito curiosa!

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  2. Carlos E Santosfevereiro 27, 2013

    Bom dia, Luís,

    Tive a sorte de ler este livro o ano passado, após me ser oferecido, e a sua opinião é a primeira que encontro sobre este livro. Não conhecia ninguém que tivesse lido esta obra que achei fascinante. Dou-lhe os parabéns pela excelente opinião e percebo que não queira revelar nada. Tla como aos meus amigos, também a todos os leitores deste blog, recomendo esta leitura de um autor que tem um talento raro.

    Parabéns.

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  3. É que nem conhecia o livro! Agora deixaste-me curioso e a carteira reclama.

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  4. A minha irmã emprestou-me este livro e adorei. Ainda bem que o leste. Gostei mesmo muito da tua opinião e da tua introdução sobre o nosso cérebro. Parabéns pelo teu excelente trabalho. Também nunca tinha visto um blog falar sobre este livro, mas espero que muitos sigam o teu caminho.

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  5. Uma opinião muito interessante. Parabéns. Vou procurá-lo na próxima feira.

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  6. Olá Luís. Já li dois livros de Matt Ruff, os dois em inglês. Este foi um dos que li e desconhecia que tiha sido editado por cá. Para mim é uma obra fascinante em vários aspetos e este autor deve ser seguido com atenção. Concordo com a sua fantástica opinião e principalmente com a parte em que diz que este livro é um abrir de olhos para uma realidade com a qual não vivemos.
    Recomendo bastante esta obra.

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  7. Um extraordinário romance de um extraordinário autor.
    Já há bastante tempo que tive a oportunidade de escrever, no fórum da editora, ter esta sido uma das leituras imperdíveis desse ano.

    Não me canso de o recomendar, e tenho pena que tenha chegado a poucos leitores.
    Essencial para quem gosta de temas e leituras que desafiem a nossa percepção da realidade, e da própria escrita.

    Parabéns pela referência a este livro, e a este autor.

    João M.



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  8. Não conhecia o livro e fiquei muito interessado.

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  9. Obrigado a todos pelos comentários. Realmente este livro foi uma grande surpresa e que, pelo que vejo, poucos leitores conhecem. Merece ser recomendado e no futuro tentarei ler novos livros deste autor.

    Se ficaram curiosos, aconselho a darem uma vista de olhos!

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  10. Olá Luís,

    Nem sabia que este escritor estava publicado por cá, sei que foi publicado um conto seu na Revista Bang e que um amigo meu, elogia bastante este escritor. Fiquei curioso ao ler o teu comentário e sem duvida que se encontrar será um escritor a ter em conta.

    Abraço

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  11. olá Fiacha,

    eu desconhecia totalmente o autor e foi uma agradável surpresa. Um dia tens de ler! Esse conto na Revista Bang não li. Tenho de procurar! Depois digo-te o que achei se conseguir encontrar.

    Abraço!

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