O Ler y Criticar nasceu há mais de 5 anos, e durante todos esses dias, apenas fiz análises de livros e passatempos, num total de mais de mil artigos. Hoje, no entanto, vou abrir a primeira excepção. Vou falar sobre outra coisa que não um livro. Vou falar sobre os Jogos Olímpicos.
Os Jogos Olímpicos são o maior evento desportivo do mundo. De forma natural quebra barreiras, alimenta sonhos, torna o mundo em algo melhor, nem que seja dentro daquela aldeia onde os atletas ficam. Em que outro local do mundo vemos todas as nações, juntas, a promoverem um mesmo espírito, um mesmo objetivo? Enquanto o mundo continua nas suas guerras, nos seus interesses políticos, financeiros, etc... aqui vemos duas atletas, cada uma da sua Coreia, a abraçarem-se. Vemos Oriente e Ocidente juntos. Todas as raças, todas as religiões, juntas, a abraçarem-se no final de cada prova. Vemos sonhos concretizados quando os jovens que há dez anos tiraram fotos com os seus ídolos, agora enfrentam-nos. E, por isso, os Jogos Olímpicos são mais do que medalhas.
No entanto, é sobre as medalhas que se fala, porque é uma competição e todos queremos ganhar. E em Portugal trata-se de um tema delicado, onde povo exige medalhas e os atletas pedem condições. Esta é a imagem que se passa, mas é muito mais do que isso. Reduzir o trabalho dos atletas às medalhas que conquistam é injusto. Este ano a única medalha que tivemos foi da Telma Monteiro e agora muitos falam de fracasso. A primeira questão que me salta é a seguinte: somos um país em que a Educação Física nem sequer conta para a média do secundário (sim, essa média que praticamente define as nossas opções no futuro académico) e depois querem sucesso no desporto? É o mesmo que dizer às crianças que o desporto não conta para nada. Seria o mesmo que me dizerem que a minha nota de Português não conta e depois criticarem-me por escrever mal.
Para além da nossa enorme falta de mentalidade para o desporto, que não promovemos em grande escala, à excepção do futebol, ainda nos faltam condições, e claro que não competimos sozinhos, pois os outros atletas também querem ganhar. Vejamos o seguinte: se um treinador de futebol disser que quer ganhar o próximo jogo, é notícia (notícia devia ser se ele dissesse o contrário, porque dizer que quer ganhar qualquer um pode dizer). A Telma Monteiro ganha uma medalha num torneio internacional e não aparece em lado nenhum, sendo preciso os Jogos Olímpicos para se dar destaque a estas modalidades. Obviamente que o futebol tem um peso que nenhum outro desporto tem, e não condeno essa situação, mas depois parece que exigimos o mesmo aos atletas que nem sabemos quem são. Dois dias antes de a Telma ganhar o bronze e a dedicar à força lusitana, estive num evento onde um homem disse o seguinte: "É sempre a mesma coisa. Aquela do judo vai ser já a primeira desilusão. Falta mentalidade vencedora." De forma suave meti-me na conversa e indiquei ao senhor que "aquela do judo" que ele mencionava era apenas uma atleta que ganhou 11 medalhas em campeonatos da europa. 11! 5 medalhas em campeonatos do mundo! Podia estar aqui o dia todo a falar das medalhas internacionais que a Telma ganhou vinda de um país que não tem tradição na modalidade. E o homem não fazia a mínima ideia do que ela tinha ganho, mas já a estava a criticar.
No entanto, todos cometemos erros destes, ao criticarmos algo sobre o qual não temos todo o conhecimento. O que já não acho normal é, uns dias depois da Telma ganhar a medalha, ver um jornalista reformado dizer que não percebe porque se davam os parabéns a uma atleta que ao ficar em terceiro, na realidade tinha perdido. Como é que alguém pode pensar assim? Nós devíamos era dar os parabéns a uma atleta que há mais de 15 anos faz o nosso hino ser ouvido lá fora! Que levantem a mão aqueles que em todo o nosso país tiveram tamanho sucesso nas suas carreiras, seja ela desportiva ou outra coisa qualquer!
Mas também devemos dar os parabéns aos outros que deram o seu melhor. Quando vemos um atleta nosso a ficar entre os 15 melhores do mundo e ficamos a saber que o senhor é GNR, temos de dar os parabéns e não há nada a exigir. Eu quando saio do meu trabalho, vou para casa, para a minha família, descansar, etc... O senhor GNR sai do emprego dele e vai treinar as poucas horas que lhe restam. Muito fica para trás e ainda consegue competir contra outros que são profissionais. E mesmo que fosse sua profissão ser atleta e não GNR, ficar entre os 15 melhores do mundo continuaria a ser fantástico. Em quantos setores temos os melhores do mundo? Se existissem umas olimpíadas de medicina ou advocacia, ou informática, ou outra coisa qualquer, traríamos mais medalhas? Talvez não, mas deveríamos aplaudir todos aqueles que estavam entre os melhores. E tudo isto sem sequer mencionar os atletas paralímpicos que ganham tudo e nem sequer ficamos a saber.
Para acabar, e porque o texto já está comprido, quero dar os meus parabéns aos atletas portugueses que ficaram entre os melhores e, principalmente, dou os meus parabéns à Telma Monteiro. É motivador ver uma rapariga sair de um bairro com poucas condições e chegar a um pódio de uma grande competição. Telma não subiu um vez ao pódio... subiu centenas. A Telma Monteiro é a quinta judoca mais medalhada de sempre... em todo o mundo. Saiu de um país que pouco sabe sobre judo quando comparado com outros países onde o judo enche estádios e a população para para ver os melhores a competir... e ela venceu. A já famosa frase da Telma para os seus amigos nestes jogos Olímpicos, "Eu vim para ficar", fica-lhe bem, que nem uma luva. Mas não lhe fica bem agora. Fica-lhe bem desde há 15 anos, quando ela começou a treinar e veio para ficar. Pena algumas pessoas só terem notado agora, mas ainda vamos todos a tempo.
Luís Pinto