Autor: David Soares
Sinopse: Nuno Gonçalves, nascido com um dom quase sobrenatural para a pintura, desvia-se dos ensinamentos do mestre flamengo Jan Van Eyck quando perigosas obsessões tomam conta de si. Ao mesmo tempo, na sequência de uma cruzada falhada contra a cidade de Tânger, o Infante D. Henrique deixa para trás o seu irmão D. Fernando, um acto polémico que dividirá a nobreza e inspirará o regente D. Pedro a conceber uma obra única. E que melhor artista para a pintar que Nuno Gonçalves, estrela emergente no círculo artístico da corte? Mas o pintor louco tem outras intenções, e o quadro que sairá das suas mãos manchadas de sangue irá mudar o futuro de Portugal. Entretecendo História e fantasia, O Evangelho do Enforcado é um romance fantástico sobre a mais enigmática obra de arte portuguesa: os Painéis de São Vicente. É, também, um retrato pungente da cobiça pelo poder e da vida em Lisboa no final da Idade Média. Pleno de descrições vívidas como pinturas, torna-se numa viagem poderosa ao luminoso mundo da arte e aos tenebrosos abismos da alienação, servida por uma riquíssima galeria de personagens.
Com o livro Batalha a ser uma enorme surpresa pela sua qualidade (principalmente filosófica), li A Luz Miserável e confirmei o estilo de escrita de David Soares, a qualidade nas suas palavras. Agora faltava confirmar a capacidade de Soares em desenvolver boas historias... confirmado!
O livro Batalha tinha como grande trunfo o que nos transmitia, os diálogos e acções repletos de significado, as questões filosóficas que levantava. A Luz Miserável por seu lado mostrou-se como um livro de contos forte, com uma escrita que nos leva até ao momento singular em que o horror explode, e agradado com a leitura destes dois livros atirei-me a este “O Evangelho do Enforcado” e devo já dizer que Soares consegue com notável mestria, misturar ficção e História, algo que poucos conseguem fazer em Portugal.
Contando a história de Nuno Gonçalves, autor dos Painéis de São Vicente, vamos conhecendo esta personagem desde o seu nascimento até ao feito da sua enigmática obra, e se no início do livro não senti grande entusiasmo nestas páginas, foi sensivelmente a meio que comecei a agarrar-me à história que Soares criou. Com a sua escrita sempre forte, esta leitura mostrou-se mais rápida do que Batalha, sem todas as palavras quase desconhecidas da grande maioria dos leitores, mas devo assinalar que nunca faltou o significado de cada linha. Este é um dos grandes motivos pelos quais gosto deste autor: ele não escreve por escrever. Não escreve para vender ou para encher o livro. O que temos aqui é uma escrita cheia de significados, tanto nas detalhadas descrições como nos inteligentes diálogos, e se em Batalha éramos brindados com mensagens quase “educativas”, filosóficas; aqui vemos em cada linha a criação de personalidades, de movimentações de bastidores pelo poder do Reino e alimentar de medos. Tudo isto tendo como trunfo a força visual do que lemos enquanto somos brindados com os pensamentos das personagens, pensamentos esses que nos ajudam a perceber os motivos, principalmente de Nuno Gonçalves e do Infante D. Henrique, as duas grandes personagens deste livro e que o fazem avançar. E é com estes dois homens, personagens deveras cativantes, que avançamos nesta Lisboa que se viria a tornar no centro do mundo moderno.
O medo e a sede de poder são os grandes catalisadores da acção humana, levando-nos a praticar o impensável, a quebrar as barreiras da sanidade mental... este livro mostra-nos isso. Os jogos de poder estão muito bem encaixados nos factos históricos, e as personagens ganham qualidade com este facto, o que aliado a uma excelente investigação de Soares nos leva a “entrar” no mundo Medieval Português sem grande esforço. Lemos as suas superstições, essa crença que move uns, inspira outros e torna muitos ignorantes. O simbolismo também está presente, e novamente uma excelente investigação do autor, que nos dá uma escrita que não está presa a mitos históricos, a teorias ou a ideias populares que tentam definir personalidades de pessoas há muito mortas. Este não é um livro para nos contar a verdade, é um trabalho de ficção, que não serve para nos empolgar, para nos fazer sorrir ao sentirmos orgulho nos nossos antepassados... serve para pensar e muitas vezes chocar com o detalhe visual do autor. Resultado final: este livro tornou-se viciante e muito graças às duas personagens que antes mencionei. Nuno é uma personagem fascinante!
Biliões de pessoas já viveram e morreram. Caminharam este mundo, respiraram, sofreram, amaram, mas quantas atingiram a imortalidade? O que é realmente tornar-se imortal? Afinal o que vence a morte? Um acto? Uma criação? Pode um pintor imortalizar-se numa obra? Num bocado de madeira, numa tela... por vezes morremos, mas deixamos para trás algo que nem a própria morte consegue destruir.
No fim as últimas páginas são mais do que o terminar de uma história. São o pensar da mesma, dos seus significados, é a rampa para o que virá, com um encontro que eu não esperava... apenas mais um detalhe que nos mostra como David Soares mistura fantasia e realidade de forma magistral.
Olhando para o todo, este livro não tem para mim, a excelente qualidade de Batalha, mas é mesmo assim um bom livro, do melhor que já li do género. Do melhor que se faz no nosso país. Se gostam deste género literário, então este livro é mais do que recomendado! Se não gostarem de descrições fortes, tanto nas acções de algumas personagens como na visão que nos é dada de Lisboa enquanto sociedade, este livro pode não agradar a alguns leitores, mas tal como antes disse, Soares não escreveu este livro para vender, ele escreveu-o para ter qualidade e conseguiu-o! No top dos livros de Língua Portuguesa que li nos últimos anos, David Soares é realmente um dos grandes escritores do fantástico Português!
Deus é uma ideia. Nada é tão ambíguo quanto uma ideia.
Aproveito ainda para realçar o texto escrito pelo autor nas páginas seguintes ao fim da história. Bastante interessantes, com o objectivo de explicar as motivações e a pesquisa do autor, e convidando-nos a lermos outras obras que tentam descobrir muitos dos factos que se misturam nesta história. Uma adição que ajuda a percebermos melhor onde está a linha que divide ficção e realidade.
uma vez mais adorei o que escreveste. Não falhas. É o terceiro livro que comentas deste autor. O meu interesse é cada vez maior.
ResponderEliminarUma vez mais fiquei curioso. Oiço falar deste autor mas nunca li nada da sua autoria. A tua opinião deixou-me com vontade de ler. Muito bom texto!
ResponderEliminarComeço a ficar interessado neste autor. Boa opinião, sem qualquer dúvida. Continua.
ResponderEliminarGostei muito deste texto. Bastante interessante.
ResponderEliminarÉ um livro fabuloso! Adoro a maneira como David Soares conta a história, destruindo tudo o julgamos ponto assente e indiscutível! E através da História conta sua história avidamente e surpreendendo a cada instante!
ResponderEliminartenho ouvido falar maravilhas deste livro, estive para o comprar...mas tem sido sempre preterido a favor de outros... quam sabe brevemente. Um Abraço Luis.
ResponderEliminarPara mim foi uma agradável surpresa porque não estava À espera de uma mistura tão boa de fantasia com realidade.
ResponderEliminarNuno, já vi que mudaste o endereço do teu blog... Daqui a pouco já passo por la! Abraço
Comprei o Batalha depois de ler a tua opinião e gostei bastante. Agora fiquei convencida a comprar este. Depois dou-te a minha opinião!
ResponderEliminarNão conheço o livro nem o autor. Na realidade nem sabia que existia este tipo de livros de lingua portuguesa. No entanto considero o tema muito interessante e irei comprar o livro. A tua opinião assim o obriga.
ResponderEliminarAss: Cristina
Li agora a tua opinião e fiquei mesmo muito curioso. Já tinha ouvido falar deste livro mas pensava que era algo mais infantil. Vou ver se o compro este mês.
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