Hoje regressamos ao Espaço Leitor para mais uma análise da Margarida Contreiras, que decidiu escrever sobre um livro que me parece bastante interessante. Fica aqui a sua opinião e acredito que um dia também irei ler este livro, e, se possível, falar aqui sobre ele.
Autor: Jessie Burton
Título original: The Miniaturist
Sinopse: Num dia de outono de 1686, a jovem Nella Oortman, recém-casada com um próspero mercador de Amesterdão, Johannes Brandt, chega à cidade na expetativa da vida esplendorosa que este casamento auspicioso lhe promete. Mas, entre a amabilidade distante do marido e a presença repressiva da cunhada, Nella sente-se sufocar na sua nova existência.
Até que um dia, Johannes lhe oferece uma réplica perfeita, em miniatura, da casa onde vivem. Nella encomenda então a um miniaturista algumas peças para ornamentar a casa. Mas algo de surpreendente acontece: novas encomendas de miniaturas continuam a chegar sem terem sido solicitadas, como presságios silenciosos de futuras tragédias.
A miniatura de uma casa, uma jovem donzela e uma Amsterdão seiscentista são os elementos essenciais desta história. As linhas orientadoras da narrativa divagam sobre dois planos. Um deles desenvolve-se na intimidade do lar, onde uma dissimulada tranquilidade oculta cada canto numa constante atmosfera de segredo. O outro está cá fora, nas ruas da agitada e intransigente sociedade dos canais, onde a autora nos apresenta a crueza, o luxo e a desgraça.
É neste contexto que a jovem Petronella Oortman é recebida no lar do seu marido, um exímio mercador, e recebe como prenda de casamento uma casa em miniatura. A jovem, a casa e o mercador são os elementos verídicos desta história que, conjugados com a pesquisa e a imaginação da autora, criaram uma obra original, interessante e de agradável leitura.
A mina de ouro da obra reside na originalidade dos temas abordados: por um lado, as nuances associadas à decoração de uma casa em miniatura, e, por outro, a reação da sociedade e da religião à questão da homossexualidade durante o século XVII. No respeitante ao primeiro tema, o teor técnico associado à compra e encomenda de objetos para uma casa de bonecas é superado pelo peso simbólico do próprio objeto que, a certa altura, funciona como oráculo de mau presságio que absorve e desarranja o espirito da personagem principal. A questão da homossexualidade surpreende-nos pela sua improbabilidade ainda no início da história e permite-nos descobrir a reação de uma sociedade controlada pelos chefes religiosos e pelo medo da consequência na segunda vida.
O Miniaturista é o romance de estreia da autora, o que nos é possível identificar através de pequenas lacunas que, apesar de não destruírem a obra, acabam por desarranjá-la, tornando-a um pouco menos interessante do que o anunciado pelo potencial dos temas abordados. Observando a narrativa à luz da categoria de romance histórico, seria desejável que nos deparássemos com mais pormenores físicos do ambiente de época, tais como, moda, paisagem e gastronomia. Estes aspetos são, de facto, abordados na narrativa, mas apenas no plano essencial da história, ficando em falta certas descrições da cidade e das personagens que permitiriam ao leitor uma maior ambientação à época, ao local e, consequentemente, à própria história.
Jessie Burton é uma escritora de palavra doce, expressiva e cativante. A sua escrita é despretensiosa, mantendo-se sempre num nível de fluência e correção perfeitamente adequados, embora se tenha a sensação de haver alguma perda de cariz unicamente literário na tradução. Ainda assim, a sua juventude de escrita pode fazê-la cair no erro da previsibilidade já que, após uma certa habituação ao seu estilo de condução da narrativa, o leitor consegue ocasionalmente antever desfechos intermédios na ação.
Permitindo-me uma apreciação mais pessoal, este romance teria todo o potencial para nos deslumbrar e, sobretudo, cativar com avanços e recuos no tempo que apimentariam a perceção da história para nos pregar os olhos ao papel. No que concerne ao conteúdo, consideremo-lo rico, diversificado e entusiasmante, deixando-nos com curiosidade para explorar este excerto da História Europeia. Os movimentos das personagens surpreendem-nos a maior parte das vezes e o desvendar da história está bem organizado. Contudo, apesar do miniaturista e da casa em miniatura estarem constantemente presentes, seria de esperar que houvesse uma concretização da sua existência durante a história e o seu desfecho, o que não acontece, sendo a força geradora desta história, na verdade, descentrada da figura que lhe dá o título. Este aspeto exemplifica o potencial por concretizar que constitui o maior ponto fraco desta obra.
Apesar da doçura das suas linhas, esta história é uma tragédia. Assim se pode considerar tendo em conta a medida do sofrimento imposto às diversas personagens, que desta forma ilustram o seu tempo e espaço. Não deixa por isso de ser interessante mas, pelo contrário, permite-nos contactar com a rigidez do preconceito, o pavor das hierarquias espirituais e a colisão social dos seres em concomitância.
Este livro tem percorrido o mundo e aprendido muitas línguas, sendo apreciado por várias culturas. A sua leitura agradará aos apreciadores habituais de romances históricos mas também aos leitores de romances em geral, uma vez que, à parte a extraordinária época escolhida pela autora, as suas páginas conduzem-nos por descobertas empolgantes e trilhos de suspense que deliciosamente acompanhamos.
Opinião realizada pela leitora Margarida Contreiras