Autor: Célia Correia Loureiro
Sinopse: No seio de uma aldeia beirã, Olímpia Vieira começa a sofrer os sintomas de uma demência que ameaça levar-lhe a memória aos poucos. A única pessoa que lhe ocorre chamar para assisti-la é a sua nora viúva, Letícia. Mas Letícia, que se faz acompanhar das duas filhas, tem um passado de sobrevivência que a levou a cometer um crime do qual apenas a justiça a absolveu.
O cérebro humano é a estrutura mais complexa do Universo conhecido, capaz de um número de processamentos por segundo que nenhum computador consegue alcançar. Graças à sua evolução, somos senhores do que nos rodeia, capazes de criar, questionar, recordar... e somos totalmente dependentes dos seus milhões de processos que actuam sem nos apercebermos. E quando essa estrutura, mestre do nosso corpo, começa a falhar, no que nos tornamos?
Era com esta perspectiva que abordei o livro, a primeira criação de uma autora que nasceu na cidade em que vivo. Esperava um livro que aprofundasse as limitações e os desafios que esta doença mental iria impor a Olímpia, mas, para minha surpresa, esse não era o tema principal da história. Mas já lá vamos...
Em primeiro lugar temos de perceber uma coisa: editar um livro em Portugal com 22 anos não é tarefa fácil. Umas vezes consegue-se porque são pessoas famosas, outras vezes porque há qualidade. Este é um exemplo de qualidade. O livro é bom, principalmente se tivermos em conta ser uma estreia e ter sido escrito com pouco mais de 20 anos de idade.
As personagens estão bens construídas, acredito que seja fácil simpatizar com Letícia, e para muitos leitores será a personagens preferida. A sua luta ao regressar a uma aldeia onde não é desejada, ter de lutar contra toda uma mentalidade e preconceito, e ainda apoiar a sua sogra que mal a conhece, torna este livro viciante, maduro, e acabamos, tal como ela, a lutar para proporcionar às suas filhas uma vida que dificilmente terão.
Infelizmente a autora afasta-se um pouco de Olímpia, que para mim é a grande personagem deste livro, pois é ela a imagem da demência que dá uma profundidade extra à história. Adorei esta personagem e gostava de ver melhor a adaptação à sua "nova" vida!
Ao início o livro pode parecer demasiado grande, mas ao fim de algumas páginas, tal sensação desaparece graças a dois factores: o primeiro, é que a escrita da autora melhora com o decorrer da história, a segunda é que Célia Loureiro monta a história por forma a revelar segredos (muitos em flahsbacks) em momentos chave e que impulsionam a leitura, deixando sempre dúvidas no ar.
Outro ponto forte, é a forma como o ambiente da aldeia nos é dado. Célia explorou bem os preconceitos e as vergonhas de uma sociedade parada no tempo e alimentada pela ânsia de conhecer a vida dos outros. Desde violência doméstica, invejas, vinganças e abortos, esta história tem um bocadinho de tudo e o livro torna-se sólido. Pelo meio teremos o romance, que alimenta este livro e que torna esta obra mais virada para um público feminino.
Nota-se que o livro não teve uma revisão aprofundada, mas os poucos erros ortográficos ou frases demasiado longas, em nada tiram qualidade à história. O que fica na memória é que estas páginas são sobre decisões, muitas delas erradas e que condicionam toda uma vida, retirando-nos uma possível felicidade num tempo que nunca mais conseguiremos recuperar.
O final é uma mistura de sensações e o último parágrafo é fantástico, ajudando a tornar o fim mais marcante. No entanto alguns acontecimentos finais mostraram-se demasiado "forçados" pelas inúmeras coincidências, e tal desagradou-me um pouco.
Uma estreia promissora de uma jovem autora, que pode evoluir, e um exemplo perfeito de que se pode ter qualidade com vinte anos. Vou ficar atento ao próximo livro desta autora!
No fim pergunto-me... se eu fosse Olímpia, até onde teria aguentado?