Autor: Matt Ruff
Título original: Set this House in order
A ideia base deste livro, simplesmente fantástica, é, resumidamente, a história de um rapaz com várias personalidades e que tem consciência do seu problema. Para o resolver, Andy "cria" uma casa dentro da sua mente onde as várias personalidades vivem, falam entre sí e comunicam com a personalidade que está a controlar o corpo. Esta base parece algo "rebuscada" ao início, mas posso afirmar que se trata de algo que se torna bastante realista e que no fundo é apenas uma solução para um problema.
Antes de começar com a opinião ao livro, vejamos alguns factos: todos conhecem a história do computador Deep Blue, computador da IBM que venceu Kasparov num duelo de 6 partidas de xadrez (3 partidas empatadas e um resultado final de 2-1). Este computador tinha a capacidade de processar, mais ou menos (não são números oficiais), 3 milhões de milhões de instruções por segundo (e sim, é mesmo milhões de milhões, eu não me enganei a repetir a palavra), e estamos a falar de um super computador, pois um computador doméstico terá no máximo, 100 mil milhões. Nessa altura muitos disseram que o computador batera o cérebro humano em velocidade de processamento. Errado. A diferença é que o nosso cérebro faz muitos mais do que pensar. O nosso cérebro diz, individualmente, a cada célula do nosso corpo, o que devem fazer para sobrevivermos, e para além disso, ainda pensa, processa todos os sentidos, fala, movimenta-se, etc... é impossível calcular com exatidão a capacidade do nosso cérebro (o aglomerado de matéria mais complexa no Universo que conhecemos), mas estima-se que esteja perto dos 100 milhões de milhões de instruções por segundo (são muitos zeros)... e somos totalmente dependentes dele. E se ele não funcionar corretamente? E se o nosso cérebro nos enganar?
Agora, passemos ao livro: recomendado por um amigo e com uma incrível pontuação no GoodReads, comecei este livro com boas expetativas e agora posso dizer que é um dos melhores livros que li nos últimos tempos. Não é fácil entrar na leitura, pois, apesar de não existir aqui qualquer forma de fantasia ou ficção-científica, muito do senso comum é destruído no início, pelo menos na forma como vemos uma pessoa. Esta é uma realidade completamente distinta da forma como este rapaz, Andy Gage (narrador), vive e vê o mundo.
A partir do momento que entramos no livro, temos a tentação de questionar qualquer coisa, tornando o trabalho do autor muito mais difícil, pois estamos atentos a tudo. No entanto, o autor conseguiu em dois momentos, deixar-me de boca aberta, completamente surpreendido. Com este aglomerado de blackouts, ligamo-nos ao personagem, pois em muitos momentos, sabemos apenas o que ele sabe, e que é pouco.
A escrita é simples e directa, com alguns saltos temporais mas que nunca tornam a história confusa (aliás, a história está muito bem montada), o que ajuda bastante para que o livro seja de fácil leitura e ritmo elevado. As personagens, principalmente as personalidades de Andy, estão muito bem construídas, tal como a personagem Penny.
Falar sobre este livro não é fácil sem revelar muito da história, Mas esta obra, que é sobre várias personalidades na mesma mente, é uma lição em que sentimos que devemos aceitar-nos a nós próprios, uma lição sobre mudar o que está mal e não desistir. Matt Ruff olha para a base filosófica que nos diz que somos o nosso passado, e usando personagens traumatizadas, usa esse mesmo passado para as tornar coerentes, e por isso posso dizer que se o passado é a base da nossa personalidade, então este autor explorou o tema como poucos.
E quando as pessoas que mais nos deviam amar, são aquelas que nos viram as costas? Ser amado, é, talvez, a maior necessidade humana. Se não formos amados, não somos felizes, não existe sentido... mas poderemos apagar da nossa mente essa ausência? O que é preciso sofrer para apagar um passado? O que é preciso para acreditarmos que a culpa é nossa?
Bem estruturado e incrivelmente original, Matt Ruff dá-nos um livro que nos mostra a vontade de melhorar, de sobreviver e de criar um significado para a nossa existência. Esta obra é fantástica e recomendada pelas suas personagens, pela sua história, mas principalmente, por nos despertar para uma realidade que muitos de nós não conhecemos, e por isso, este é um livro que não devemos apenas ler, devemos tentar perceber, e sentir, o que é a vida para uma pessoa com este problema.
Um livro viciante, original e que nos leva numa viagem pela consciência humana, mas também pela capacidade de um homem ser bondoso ou cruel. Como disse antes, falar mais sobre este livro, é revelar o que não devo, e por isso limito-me a recomendar esta leitura, sabendo que aquilo que escrevo não consegue transmitir todas as sensações que este livro me deu.
Luis Pinto